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sábado, 16 de dezembro de 2023

O QUE OS OLHOS NÃO VEEM, O CORAÇÃO NÃO SENTE

É comum os pais de dependentes químicos demorarem a aceitar que estão diante de um grande desafio, mesmo quando seus filhos já apresentam indícios claros do uso. O que os olhos não veem, o coração não sente, mas se recusam a enxergar, como podem corrigir?

Essa negação do problema acontece de forma inconsciente e possui o objetivo de protegê-los de uma realidade dolorosa, na qual eles não desejam e não sabem como lidar. Mas não tem jeito, abandonar a negação é necessário e urgente.

Esse não é um momento fácil, tendo em vista que a aceitação dos fatos aos quais recusam enxergar causa sofrimentos profundos e angustiantes. Para os pais, reconhecer o problema é como receber um choque paralisante, como se nada mais na vida fizesse sentido.

Encarar as verdades, que de maneira inconscientes relutavam para aceitar, é como viver um luto, mas não tem jeito, a família precisa o mais breve possível despertar do transe provocado pela aceitação da realidade e começar a se mover.

Para tanto, precisam abandonar a ideia de que sozinhos iram solucionar um problema de alta complexidade e buscar ajuda, não apenas para o filho, mas também para toda a família, que adoece tanto quanto ou até mais que o próprio dependente.

Precisam abandonar o sentimento de culpa, parar de justificar os fatos e enxergá-los na medida certa, sem minimizá-los, nem os maximizar. Tratar da codependência e trabalhar o desligamento emocional, ou seja, ampliar os seus recursos para preservar uma mente sã e equilibrada, independente dos comportamentos insanos do outro.

Encarar a realidade dos fatos é sem dúvidas o primeiro passo para a busca da solução do problema. Isso é desafiador, mas a família não precisa enfrentar isso sozinha. Podem contar sempre com a ajuda dos grupos de apoio do Programa Amor-Exigente para enxergar, com clareza, que um desafio nunca chega sem estar carregado de oportunidades.



Celso Garrefa

Assoc. AE de Sertãozinho SP

sábado, 1 de outubro de 2022

VÍNCULOS AFETIVOS OU LIGAÇÃO EMOCIONAL?

Júnior mal chegou da escola, jogou a mochila num canto da sala, deixou o tênis no meio do corredor, esticou-se no sofá e lançou o primeiro de muitos pedidos para sua mãe: - Mãe, pega uma água pra mim. Ela parou, por um instante, o almoço que fazia, encheu um copo e o serviu.

Se questionada, provavelmente vai justificar sua atitude como uma demonstração de amor, de cuidado, de carinho, como um meio de fortalecer os vínculos afetivos, mas para o filho todo o esforço dela é visto apenas como uma obrigação.

O fortalecimento dos vínculos afetivos é essencial para a solidificação das relações familiares, no entanto, é preciso muito cuidado para não confundirmos um vínculo afetivo com uma ligação emocional, que, apesar da linha tênue que os diferenciam, são duas situações complemente diferentes.

Os vínculos afetivos são construções conjuntas, uma via de mão dupla, em que um se preocupa com o bem estar do outro, em que os membros cooperam entre si, visando o bem comum, enquanto que a ligação emocional apenas um lado atua em função do outro, sem nada receber em troca, um desejo permanente de resolver a vida do outro, de facilitar a vida do outro, de viver a vida do outro.

Ligações emocionais são prejudiciais tanto para quem assume as responsabilidades que não são suas, como para aquele que tem a vida facilitada. Quem vive a vida do outro, não tem vida. Quem vive em função do outro, não é visto, não existe. E o que é pior, se em algum momento a pessoa assistida resolver tomar conta da própria vida, quem o assistia perde a razão de viver. E agora, quem é você? o que sobrou de você?

A pessoa que tem a vida facilitada, sem necessidade, também é prejudicada. Pode encontrar dificuldades de crescimento pessoal, de evoluir, de se tornar independente e responsável. Torna-se frio e enxerga o outro apenas como um serviçal, obrigado a atendê-lo custe o que custar. Se um dia se ver só, pode não saber que rumo seguir.

Por tudo isso, as ligações emocionais devem ser repensadas nas relações familiares. É um comportamento que adoece todos os envolvidos, enquanto que os vínculos afetivos devem ser valorizados, pois são essenciais na construção de um ambiente familiar funcional. Enfim, para que viver em função do outro, se podemos viver todos?

Celso Garrefa

Assoc. AE de Sertãozinho SP

domingo, 31 de julho de 2022

SÓ SEI QUE NADA SEI

Em uma de nossas reuniões semanais chegou um pai pela primeira vez no grupo, relatando que foi aconselhado a frequentar um grupo de apoio para familiares em razão da internação do filho em uma comunidade terapêutica. Disse ele que procurou o grupo, mas que a psicóloga da comunidade havia conversado com ele e ele já sabia tudo. Ironicamente, pensei comigo: esse pai deve ser um gênio. Tenho mais de 25 anos atuando com familiares e dependentes químicos e ainda aprendo algo novo a cada reunião.

Nesse fato relatado ainda existe algo de positivo. Ele procurou o grupo e com um mínimo de abertura vai perceber rapidamente que a dependência química é uma doença multifatorial de alta complexidade. Vai compreender que não existem receitas prontas, nem soluções mágicas ou respostas imediatas.

Pior são aqueles que não buscam ajuda. Estão diante de um desafio gigantesco e ainda acreditam que sozinhos vão conseguir resolvê-lo, sem perceber que, na maioria das vezes, estão mais adoecidos que o próprio dependente.

Como não buscam apoio, muitos acabam desabafando com pessoas, por vezes bem intencionadas, mas totalmente despreparadas em relação ao problema. Dependência química não é um jogo de futebol, mas está cheio de palpiteiros e especialistas de poltrona, que apresentam soluções simplistas para um desafio gigantesco, com isso apenas aumentam ainda mais o sentimento de culpa já fortemente enraizado na família.

É comum ouvirmos aquela famosa frase: - Ah, se fosse comigo! Mas não é contigo e até por isso não tem nem ideia do quão complexo é lidar com tudo isso.

O primeiro passo para lidar com o problema é reconhecer a sua complexidade, compreendendo que será preciso muito trabalho, muita busca de informações adequadas, muita persistência e perseverança. No final, a recompensa chega com os juros do crescimento próprio e da sabedoria. E como tenho repetido: a maioria das pessoas que considero “grandes” são aquelas que tiveram de enfrentar grandes desafios, que reconheceram o quão pouco sabiam, foram em busca e se tornaram gigantes.


Celso Garrefa

Assoc. Amor-Exigente de Sertãozinho SP

sábado, 17 de abril de 2021

NEGAÇÃO: UMA ATITUDE QUE NOS PRENDE AO PROBLEMA


Costumamos ouvir, com certa frequência, uma fala popular que diz que o que os olhos não veem, o coração não sente, mas se recusamos a enxergar, como podemos corrigir?

Em relação ao uso de drogas, possuímos uma grande preocupação em relação aos filhos, mas ao mesmo tempo, por falta de conhecimentos,  acreditamos que isso acontece na casa do outro, do vizinho, com filhos negligenciados, de periferias. Esse pensamento negacionista em nada contribui para evitarmos o problema, pois, ao não nos sentirmos ameaçados pelo perigo, não adotamos medidas de proteção.

Quando o filho começa a externar alguns comportamentos sugerindo que algo está acontecendo, a negação torna-se ainda mais intensa. A primeira atitude é perguntarmos para ele se está fazendo uso, no entanto, o medo da resposta é tão grande que formulamos a pergunta induzindo-o para a resposta que gostaríamos de ouvir: – filho, você não está usando drogas não, né?

Nenhum de nós queremos enfrentar um problema dessa magnitude e como ninguém deseja sofrer, recusamos, num primeiro momento, a aceitar a realidade. Essa negação é uma atitude inconsciente, utilizada como uma autodefesa das dores e dos sofrimentos oriundos desse drama.

 Inicialmente essa negação é total, ou seja, negamos totalmente aquilo que parece óbvio, mas haverá um momento em que o uso se torna tão escancarado e evidente que não conseguiremos mais negá-lo, no entanto, o pensamento negacionista ainda prevalece, mas de outra forma. Nesse novo momento tendemos a diminuir o tamanho do desafio. É comum, nessa fase, o uso de palavras no diminutivo: é só uma cervejinha, é só um peguinha, é só um cigarrinho, ou buscarmos justificativas: todo mundo usa; ele usa, mas é tão bonzinho; isso é coisa da idade.

 Precisamos abandonar a negação, reconhecer que estamos diante de um grande problema, mesmo sabendo do tamanho do desafio que iremos enfrentar. Esse é um momento extremamente complexo, pois ao abandonarmos a negação, outros sentimentos irão aflorar, como a culpa, a vergonha, a decepção, a tristeza, o medo, a incerteza, etc.

 Para lidarmos com tudo isso, vamos precisar abandonar outras negações, como por exemplo, a ideia de que sozinhos conseguiremos resolver o problema, de que não precisamos de ajuda, de que o problema é só dele, de que surgirá uma solução mágica capaz de solucionar o desafio.

 Por mais difícil que isso possa parecer, precisamos abrir os olhos, para enxergar o problema na medida exata, mesmo que o coração sinta. E para aliviar os sentimentos do coração existe remédio: grupos de apoio, que nos ajudarão a negar outras crenças: de que não damos conta, de que não exista soluções, de que não vamos aguentar, de que não somos capazes.

Celso Garrefa 

Sertãozinho SP

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

CODEPENDÊNCIA - A ILUSÃO DO CONTROLE

(Foto extraída da internet) 
 Certa vez acompanhei o relato de uma mãe que, mesmo não tendo o hábito de beber, decidiu ajudar o filho  para evitar que ele consumisse sozinho toda uma caixa de cerveja, sabendo ela que após o consumo do álcool ele partia para a cocaína, na esperança de que ele diminuísse o consumo. Doce ilusão. Assim que esvaziou a caixa, ela estava bêbada e ele foi buscar outra.

Esse é um exemplo de codependência, um termo amplamente utilizado nos grupos de auto e mútua ajuda para se referir a pessoas fortemente ligadas emocionalmente a outra pessoa, normalmente um familiar dependente do álcool ou de outras drogas, e que acredita ser capaz de controlá-lo. A codependência possui características muito semelhantes aos da própria dependência.

Se o dependente depende do uso das drogas, o codependente depende do dependente, ou seja, para estar bem, o codependente depende de que seu familiar adicto esteja bem, para estar feliz, também depende da felicidade dele.

Da mesma forma com que o dependente nutre a ilusão de que possui o controle sobre a sua droga de abuso, o codependente também nutre a ilusão de que possui o controle sobre o dependente. Assim como o dependente nega o problema, o codependente também nega sua codependência.

 Na ilusão do controle, o codependente passa a viver exclusivamente em função do outro. Quase tudo o que pensa, fala, faz e vive possui alguma relação com o dependente.  Não consegue enxergar a si mesmo, nem as outras pessoas em seu entorno e perde a alegria pela vida.

Se o primeiro passo para o dependente corrigir seu problema é reconhecê-lo, o primeiro passo do codependente também é reconhecer o problema em si mesmo e não no outro e buscar ajuda. Assim como o tratamento do dependente é um processo construído ao longo do tempo, o tratamento do codependente também não se soluciona num passe de mágica. Redescobrir-se além do outro é o começo da batalha contra a codependência, portanto, busque ajuda e redescubra-se.

Celso Garrefa - Sertãozinho SP

PREVENÇÃO À RECAÍDA

Um dos maiores desafios no processo de tratamento da dependência química são as frequentes recaídas de uma parte das pessoas que buscam ajud...